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agosto 30, 2004

"Visto do Céu", de Alice Sebold



Encontro-me neste momento a ler o livro mencionado em cima, que desde já aconselho a todos os "lobos" que se alimentam de palavras... ;) Durante a leitura vou colocando aqui algumas passagens do texto, que vou actualizando periodicamente. Espero que as mesmas sirvam para convencer pelo menos um dos membros desta "alcateia" à leitura da obra. Aqui ficam as primeiras...

"Dentro do globo de neve em cima da secretária do meu pai havia um pinguim com um cachecol às riscas encarnadas e brancas. Quando eu era pequena, o meu pai sentava-me ao colo e pegava no globo de neve. Punha-o de pernas para o ar, para a neve se juntar na parte de cima, e depois endireitava-o de repente. Ficávamos os dois a ver a neve cair lentamente à volta do pinguim. Eu costumava pensar que ele estava sozinho lá dentro e tinha pena dele. Um dia, falei nisso ao meu pai e ele disse: "Não te preocupes, Susie, porque ele está fechado num mundo perfeito."

"No meu livro de curso da escola, eu tinha uma citação de um poeta espanhol que a minha irmã me indicara, Juan Ramón Jiménez. Era assim: "Se te derem papel com linhas, escreve do outro lado."

"A vida, para nós, é um ontem perpétuo."

"Quando o meu pai voltou para a sala, estava demasiado destroçado para se aproximar da minha mãe, sentada na alcatifa, ou da minha irmã, hirta perto dela. Não podia deixar-se ver. Subiu a escada, a pensar no Holiday no tapete do escritório. Vira-o aí pela última vez. No espesso pêlo do pescoço do cão, desatou finalmente a chorar."

"Horas antes de eu morrer, a minha mãe tinha pendurado no frigorífico um desenho feito pelo Buckley. No desenho, uma grossa linha azul separava o ar da terra. Nos dias a seguir, vi a minha família andar de um lado para o outro diante daquele desenho e fiquei convencida de que a grossa linha azul era um sítio real - uma zona intermédia onde o horizonte dos céus se encontrava com o da terra. E desejei ir para lá, para o azulão do lápis de cor, para o azul, para o firmamento."

"A Holly e eu podíamos estar a esquadrinhar a Terra, detendo-nos numa ou noutra cena por um ou dois segundos, à procura do inesperado no momento mais normal. Então, uma alma aparecia a correr junto de um ser humano, tocava-lhe no ombro ou na face e prosseguia na sua jornada para o céu. Os mortos nunca são propriamente vistos pelos vivos, mas muita gente parece estar plenamente consciente de alguma coisa a mudar à sua volta. Referem-se a uma aragem gelada. Os amigos do falecido despertam de sonhos e vêem um vulto feito fantasma aos pés da cama ou numa porta ou até a entrar num autocarro."

"O ar no meu céu cheirava muitas vezes a doninhas fedorentas - muito ligeiramente. Era um cheiro que eu sempre apreciara na Terra. Quando o inspirava, sentia o medo e a força do animal formando um aroma pungente e duradoiro. No céu da Franny, era um cheiro de tabaco. No da Holly, de uma fruta exótica."

"O meu irmão recuou e olhou para a cara contraída do meu pai, com as lágrimas a brilhar aos cantos dos olhos. Acenou com ar sério e deu-lhe um beijo na cara. Foi uma coisa tão divina que ninguém no céu podia tê-la inventado; uma criança a cuidar de um adulto."

"E assim, do céu, eu vi o meu pai construir uma tenda com o homem que me tinha assassinado."

"Nessa semana, o Ray havia de dar-me um beijo junto ao meu cacifo. Não aconteceu no andaime quando ele quis. Mas o nosso beijo foi uma espécie de acidente... um belo arco-íris de gasolina."